sábado, janeiro 30, 2010

CASO DO VESTIDO



Clica aqui e lê este poema de Drummond de Andrade
José




E agora, José?

A festa acabou,

a luz apagou,

o povo sumiu,

a noite esfriou,

e agora, José?

e agora, Você?

Você que é sem nome,

que zomba dos outros,

Você que faz versos,

que ama, protesta?

e agora, José?



Está sem mulher,

está sem discurso,

está sem carinho,

já não pode beber,

já não pode fumar,

cuspir já não pode,

a noite esfriou,

o dia não veio,

o bonde não veio,

o riso não veio,

não veio a utopia

e tudo acabou

e tudo fugiu

e tudo mofou,

e agora, José?



E agora, José?

sua doce palavra,

seu instante de febre,

sua gula e jejum,

sua biblioteca,

sua lavra de ouro,

seu terno de vidro,

sua incoerência,

seu ódio, - e agora?



Com a chave na mão

quer abrir a porta,

não existe porta;

quer morrer no mar,

mas o mar secou;

quer ir para Minas,

Minas não há mais.

José, e agora?



Se você gritasse,

se você gemesse,

se você tocasse,

a valsa vienense,

se você dormisse,

se você cansasse,

se você morresse....

Mas você não morre,

você é duro, José!



Sozinho no escuro

qual bicho-do-mato,

sem teogonia,

sem parede nua

para se encostar,

sem cavalo preto

que fuja do galope,

você marcha, José!

José, para onde?



Carlos Drummond de Andrade

domingo, janeiro 24, 2010

Fazes-me Falta




A Festa do Silêncio


Escuto na palavra a festa do silêncio.

Tudo está no seu sítio. As aparências apagaram-se.

As coisas vacilam tão próximas de si mesmas.

Concentram-se, dilatam-se as ondas silenciosas.

É o vazio ou o cimo? É um pomar de espuma.



Uma criança brinca nas dunas, o tempo acaricia,

o ar prolonga. A brancura é o caminho.

Surpresa e não surpresa: a simples respiração.

Relações, variações, nada mais. Nada se cria.

Vamos e vimos. Algo inunda, incendeia, recomeça.



Nada é inacessível no silêncio ou no poema.

É aqui a abóbada transparente, o vento principia.

No centro do dia há uma fonte de água clara.

Se digo árvore a árvore em mim respira.

Vivo na delícia nua da inocência aberta.



António Ramos Rosa, in "Volante Verde"